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Foto do escritorAne Caroline Costa

A culpa não é de Machado.


Sim, isso mesmo. A culpa não é de Machado.


Oi gente, falei disso numa Live esses dias, e queria deixar registrado aqui. Vamos fazer corinho — brasileiro lê pouco sim, mas a culpa não é de Machado.


Então, desde que Felipe Neto postou aquele Twitter, vira e mexe esse assunto volta no Instagram. Culpam o pobre do Machado pela falta de interesse do brasileiro pela leitura.


Primeiro, eu gosto do Felipe Neto — amava ele falando de Crepúsculo! Melhores vídeos! Eu também sou a favor de você ler o que quiser ler, e não acho que existe livro melhor ou pior — acredito que existe público para todo tipo de livro. Enfim… eu acredito na democracia! 😆😆


Mas o fato é que o Felipe Neto nunca entrou numa sala de aula para ensinar literatura. E eu sei que diversos professores concordam com ele — e está tudo bem. Mas ainda assim, a culpa não é do Machado.


Livros não são produtos essenciais e o livro no Brasil é um commoditie caro. Enquanto o meu livro custa $12 dólares nos Estados Unidos, no Brasiiiilll custa $59,90 porque eu não estou tendo lucro nenhum, gente! Se eu fosse ter lucro de 35% igual nos Estados Unidos, o livro teria que custar 99,90. Para um autor iniciante, isso significa não vender livro nenhum! É muito caro!


A realidade do Brasil é de que 80% das pessoas ganham entre 1-2 salários mínimos. Quem vai comprar livro ganhando isso? Até onde eu sei, carne é mais importante. Outra coisa é que o Brasil não tem uma cultura de leitura. Leitora começa a ser fomentada em casa. Pais que leem geralmente criam crianças que gostam de leitura.


Livros são geralmente relacionados com educação no Brasil, e educação é chato! A escola é chata, ninguém aprende na escola — e mais aquele monte de mito que temos sobre a educação no Brasil. Ai querem que o garoto (que às vezes nem comeu em casa) vá para a aula de literatura e goste de Machado de Assis. É de revoltar mesmo! Ninguém vai aprender nada assim. Mas, ainda assim, a culpa não é de Machado.


Mas se é assim, por que ensinar geometria, genética, a revolução francesa? O que isso tem a ver com esse garoto que não quer ir para a escola, que pensa que a escola não vai acrescentar nada na vida dele? É engraçado que não vemos ninguém falando sobre não ensinar geometria para os meninos — mas como desvalorizamos o ensino de literatura (assim como desvalorizamos as humanidades num todo), o pobre do Machado entra em mira de tiro. E que tiro foi esseeee???


Acredita-se que a aula de literatura serve só para criar leitores, criar o prazer de ler — e isso pode ser feito com QUALQUER livro. Só que a aula de literatura não é SÓ para isso. A aula de literatura ensina sobre a nossa cultura brasileira, nossa história, nossa formação identitária e, principalmente, fala sobre o ser humano. Além disso, a aula de literatura nos ensina a interpretar um texto — essencial em tempos de textos manipulados na Internet e fake news. Machado nos mostra a sociedade brasileira, suas mesquinharias, suas virtudes. Mostra os dilemas do ser humano. Qualquer pessoa pode se conectar com isso. Esse é o poder das histórias.


É difícil de ler? Nada que uma aula não ajude! A prosa não é de outro mundo! E não são so romances, ha dezenas de contos! Nem todo texto tem a profundidade dos textos do Machado. E por que não conhecer um dos mais importantes escritores de brasileiros NA AULA DE LITERATURA? Não faz sentido nenhum tirar Machado do currículo! Acrescentar coisas? Sim! Claro! Mas os alunos precisam, sim, ler Machado! Imaginem se tirassem Shakespeare da educação secundária britânica? É completamente fora de questão! E ler Shakespeare (para alunos britânicos) é muito mais difícil em termos linguísticos do que um brasileiro ler Machado.


Na minha experiência, eu li Machado aos 14, 15 anos, no ensino médio (ESCOLA PÚBLICA), que é a idade quando a maior parte dos adolescentes entram em contato com esse escritor. Minha professora (salve Sueli!) fez um tribunal e nós discutimos se Capitu traiu Bentinho ou não. Todo mundo participou! Essa mesma professora fazia sarau de poesia romântica, fazia a gente escrever poema, textos curtos, e dividiu a turma em grupos e cada um teve de fazer um filme sobre um livro romântico! Lembro que o meu grupo ficou com Amor de Perdição!


Nem todos os alunos da minha turma do Professor Morais viraram escritores ou foram fazer letras — talvez foi só eu. Esse não é o objetivo de nenhuma matéria secundária. O objetivo é agregar valor, conhecimento de mundo, EDUCAR para a vida.


E é claro que criar uma cultura literária na escola é muito importante. Fazer as crianças criarem o hábito de ler é essencial também. Mas a literatura brasileira precisa ser ensinada, assim como a história, a língua, e tudo mais que o ensino formal pede.


Toda essa história de culpar Machado parece mais uma maneira de mascarar o verdadeiro problema — a desvalorização das humanidades. Depois da segunda guerra a educação se voltou para as disciplinas de tecnologia e as humanidades foram perdendo seu lugar, sendo que são essas disciplinas que realmente podem ensinar alguma coisa sobre nós mesmos.


Como educadora, professora de Literatura, eu acredito muito na educação e nas histórias para transformar vidas. Valorizar a educação literária é só mais uma coisa na nossa lista infinita do que mudar na educação brasileira.


E claro, a culpa não é de Machado. Se ele fez alguma coisa, foi garantir que a literatura brasileira tivesse um exemplo a seguir. Precisamos de mais Machado, para surgirem outros Machados no futuro.

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