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  • Foto do escritorAne Caroline Costa

A Era do Pós-Intelectualismo



“Você e seu PHD…”

“Pessoas que cultuam livros antigos”

“Literatura é entretenimento”

“Seu livro é um produto”


Talvez você já se viu pensando ou dizendo essas palavras. Esse tipo de comentário esconde um sentimento muito comum na pós-modernidade. Esse sentimento é o descaso com a intelectualidade. É a mesma ideia por trás dos movimentos anti-vacina e terra-planistas — numa escala bem menor, é claro.


O filme “Não olhe para cima” da Netflix explicou isso muito bem. Em determinado momento quando a existência do cometa está sendo discutida, o intelectual astrônomo diz, “existe um cometa, e se a gente não consegue concordar nisso, então não existe mais o que fazer”. Em outras palavras, esse é o mínimo que podemos concordar — já que esse cometa pode até ser visto do céu.


Essa descrença misturada com a negação representa bem a era do pós-intelectualismo. A importância do “expert” mudou, e agora a palavra passou a significar outra coisa. “Especialista” agora ela está conectada aos likes nas redes sociais, aos números de vendas na Amazon, e às informações de fácil digestão. Para que precisamos de intelectuais (com seus esnobes PHDs) se existe uma página de Wikipedia na qual podemos nos tornar intelectuais em qualquer coisa, em poucas horas?


A universidade passou a ser taxada como um lugar de mentiras. Enquanto muitos de nós passamos as primeiras décadas do século XXI lutando por um acesso mais inclusivo na universidade, a grande maioria das pessoas fez um caminho contrário, que diminui a importância de se ter um diploma universitário — exceto se for um curso de engenharia e tecnologia. Esses ainda tem prestígio, e muito prestígio. Talvez devido à própria importância delas na era do pós-intelectualismo.


Porém, assim como previu Margaret Atwood na trilogia MaddAddão, com o pós-intelectualismo, nós nos esquecemos que são as humanidades que pensam a ética e as relações humanas, o nosso maior problema na pós-modernidade. O nosso maior problema desde sempre! Pensar que nós estamos quase chegando a Marte, mas ainda não sabemos lidar uns com os outros, é degradante.


Essas três frases que destaquei no início desde post foram coisas que ouvi recentemente em diferentes contextos. O primeiro, que fez pouco caso do meu PHD em Literatura, foi porque eu fiz uma pergunta que desafiava o que uma pessoa escreveu em um post de Instagram. Porque na pós-intelectualidade, desafiar alguém com uma pergunta não é bem-visto. As discussões precisam ser rasas, e qualquer coisa desafiadora é lida como esnobe.


A pergunta fica no ar: como vamos construir diálogo e conhecimento se não conseguimos conversar? Se não podemos mais nos desafiar, argumentar? A resposta é que não vamos fazer isso. O pós-intelectualismo não vai permitir que ninguém desafie ninguém de forma respeitosa, para construir conhecimento, porque o pós-intelectualismo não quer construir conhecimento. Ele quer taxar tudo como “opinião” e cada um fica com a sua, no seu quadrado, com as pessoas do seu “nicho” — só para usar uma expressão do marketing.


A segunda instância é muito comum no mundo literário do Instagram — que é muito diferente do mundo literário da universidade (digo isso como uma pessoa inserida nos dois). Porque a academia “cultua” livros “antigos”, o argumento mais comum é que isso é preconceito contra a literatura contemporânea. Ouvimos também que não existe diferença entre livros, e que todo livro é “bom” ou “vale a pena”, o importante é ler. Muitos “influencers” também julgam o ensino da “literatura clássica” na sala de aula, como no famoso discurso “não devemos ensinar Machado para adolescentes”.


Embora exista sim algum fundamento nessas discussões, não existe aprofundamento — pois o pós-intelectualismo não se interessa por discussões aprofundadas. O pós-intelectualismo não quer saber por que ensinamos Machado de Assis na sala de aula, não se interessa em ler os livros “antigos” e tentar entender porque um livro sobrevive ao tempo. E embora seja muito valioso discutir isso, principalmente para ver como o racismo e machismo estrutural dita muito do nosso cânone, não é essa a base de discussão no pós-intelectualismo.


Pior, o pós-intelectualismo continua reproduzindo ideias machistas e racistas. A razão pelo “desprezo” aos clássicos está ligada a validação de trabalhos atuais e ao direito de se “ler o que quiser”. Num todo, os autores e autoras brancas (muitas vezes americanos) ainda são muito mais consumidos pelos brasileiros. Em grande parte, no hanking da Amazon, encontram-se livros que repetem essa fórmula americana, enquanto os autores negros e negras brasileiros/as permanecem na margem desse discurso. Nada realmente mudou, e o debate é vazio de razões, e cheio de opiniões.


Por fim, com o capitalismo no auge, o livro e tudo mais relacionado a ele virou um produto. Por isso ouvimos muito que o livro precisa se adequar ao perfil do leitor e usar estratégias de marketing para ser vendido e consumido — o famoso “o livro é um produto de entretenimento”. Como professora de literatura, eu penso no que vamos ensinar nas futuras aulas de literatura, ou se vão existir aulas de literatura no futuro — esse processo está começando, muitas escolas já extinguiram a aula de literatura. A ironia disso tudo é que provavelmente nós nunca lemos e escrevemos tanto quanto agora.


O que cabe ao intelectual fazer nessa nova era do pós-intelectualismo? Muitas vezes, ele é mal-interpretado e lido como esnobe. Seu PHD não adianta de nada se você não tem 100 mil seguidores, se você não vende milhares de livros na Amazon. Na verdade, o intelectual devia ficar longe dessa discussão, ele não tem nada para acrescentar, não se ele vai vir com uma visão histórica sobre tudo o que está acontecendo, falar sobre o valor cultural da literatura, e como ela, muitas vezes, fala sobre a sociedade. Esse tipo de discurso não tem lugar no pós-intelectualismo, ele é complexo demais para os nossos textos e áudios de Whats app, Instagram, Twitter, com toda aquele lance de limite de caracteres. Na verdade, essas plataformas exprimem brilhantemente nossa nova sociedade. O limite de caracteres é para evitar divagações longas e complexas. O intelectual é o novo poeta, e a verdade é que o lugar dele/a é fora da república, porque ele/a só causa dor de cabeça em todo mundo, que não cai mais nessas bobagens de “fonte segura de informação” e artigos que passaram por revisão às cegas.


Bem vindos ao pós-intelectualismo. Para ter sucesso na nossa nova era te basta apenas contas em redes sociais, uma aba do Wikipedia aberta, e uma pequena dose de humor. Mas sem exageros e sem mimimi, por favor.


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