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  • Foto do escritorAne Caroline Costa

Eu quero mais que um...

Atualizado: 20 de ago. de 2020


“Um beijo é muito bom mais que mil e mais que bom” já dizia o poeta SandyeJunior. Mas o que é que faz os cabelinhos dos braços dos leitores arrepiarem ao ler uma cena de beijo? É isso que nós vamos tentar descobrir juntos!

Essa semana, estive revisando pela última vez meu primeiro romance (que será lançado logo), e revisitando algumas cenas. É spoiler dizer que tem cena de beijo…? Acho que não, né? E vocês já notaram o quão difícil é escrever uma cena de beijo boa? Por isso, fui estudar e encontrei vários artigos sobre o tema. Vou falar aqui do que aprendi, de algumas coisas que descobri ao longo dessa jornada de escrita.


 




Já estava lendo um livro e pensando vai, beija logo…? Bom, isso é a antecipação. E essa é a primeira regra sobre beijos. A primeira coisa que vai garantir uma boa cena de beijo é a antecipação. O leitor tem que querer, tem que querer muito aquele beijo. Eu digo, torture-os!

Tantos livros vão direto para a ação física. Isso não funciona nem com sexo, nem com beijo. A antecipação, a brincadeira, a vontade, essas sim vão embalar o leitor, transportá-lo para o momento do beijo como algo metafísico, catártico. Afinal, não é por isso que a gente gosta de ficção? Para sentir aquele sentimento que te faz transbordar as folhagens do nosso íntimo?

Então, sem pressa. Construa bem as cenas anteriores à cena do beijo e a cena do beijo em si. Crie tensão entre os personagens. É uma dança, olhares que se grudam um no outro, um sorriso sem dentes, enfim. Quase beijos também dão muito certo e quase todo filme e livro tem! Se você era um adolescente fã de Arquivo X, shippou Mulder e Scully por cinco anos, então você quase pirou com aquele quase-beijo do filme! Gente! Eu quis morrer! Principalmente, porque a gente sabia que ia demorar até ter outra oportunidade como aquela entre os dois.

Eu acho que é por isso que esse quase-beijo foi tão importante - porque tem um futuro aí que não é certo. Será que eles vão mesmo se beijar e ficar juntos - essa é a pergunta que tem que ficar para o leitor após esse quase-beijo. Não deve ser óbvio que os personagens vão se beijar no futuro.

Então estamos combinados, né? Crie esses momentos antes do beijo, crie tensão. Faça com que seu leitor deseje o beijo tanto quanto os personagens. Tensão! Queremos tensão pré-beijo.


 

O perigoso poço de clichés

Poucas coisas devem ser tão clichés nos livros como o primeiro beijo entre dois personagens. Você sabe que está vindo, não tem jeito de evitar isso. Então eu acredito que o maior perigo é piorar o que já é um momento muito repetitivo nos livros. E acredite, tem como piorar.

É só uma personagem pensar que “era um momento mágico” ou que os lábios do fulaninho eram “vermelhos como as rosas que enfeitavam seus cabelos.” Ai gente, meu estômago dói só de pensar. Cuidado com os clichés.

Acredito que a melhor maneira de evitá-los é pensar no que está acontecendo de verdade. O que realmente está passando pela cabeça dos personagens. Eles estão nervosos, com vergonha…? Estão com medo de serem pegos pelos pais…? Estão excitados, e talvez o beijo vai levar a outra coisa…? Manter o foco em sentimentos reais e mais palpáveis é uma maneira de diminuir a clichezada.


 



Algumas decisões precisam ser tomadas antes de você começar a escrever esse beijo. A cena de um beijo é uma mini narrativa, com começo, clímax e fim. Essas coisas precisam estar bem claras para você.

Como começar?

Geralmente, o primeiro beijo é algo bem privado. Lembram daquela cena de “Querido John” em que eles estão sozinhos, ela está mostrando a construção de uma coisa, começa a chover (porque, evidentemente, tem que ter aquele barulhinho chuva), eles correm juntos para o único lugarzinho que tem uma cobertura, ela pergunta da cicatriz dele (toca no rosto dele), tem uma conversinha sobre seu passado… enfim. Está tudo aí. Privado, chuva, conversa importante, que faz os personagens se aproximarem ainda mais, e então o beijo.

Também tem muito beijo que começa com uma briga. Isso é muito comum nos romances inimigos-amantes. Hollywood também adora um beijo para quebrar a tensão na hora de uma luta, tipo Will e Elizabeth em Piratas do Caribe 3 e Claire e Owen em Jurassic World (2015).

Então escolha bem o lugar onde esse seu primeiro beijo vai acontecer e o tipo de interação que os personagens vão ter. O beijo diz muito sobre a personalidade dos seus personagens e de como o relacionamento entre eles vai ser.

Criando a proximidade.

Pouca gente explora esse momento, e eu acho um desperdício. Os personagens têm que estar muito perto para se beijar, então esse momento de proximidade vai criar ainda mais tensão entre eles. Os personagens devem sim se aproximar aos poucos, tocar um no rosto do outro, mover o corpo, enfim. Eles podem fazer isso por eles mesmo, ou pode ser algo que os faça se aproximar, tipo a chuva no filme “Dear John”, que os fez buscar abrigo e ficarem pertinho um do outro. Clima perfeito para começar um beijo.

Quando se está perto assim, os personagens se notam melhor, e você pode explorar isso também. O que eles estão sentindo ou pensando? Você pode usar esse momento para revelar algo acerca da personalidade ou do passado dos seus personagens também.


 

O Beijo

Você fez tudo, criou a tensão, teve até quase-beijo. Escolheu o lugar e o tipo de beijo, teve aproximação, conversa, e até revelação do personagem, e seus leitores estão prontos para o beijão. Então você não pode simplesmente dizer “e eles se beijaram.”

Li muito sobre isso, e também li muitos exemplos de beijo. Dizem que a regra é descrever tudo menos o beijo, e eu odeio quando os autores fazem isso. Eu acho que é só para evitar falar de algo que é difícil falar. As sensações do beijo são difíceis de serem descritas sim e por isso mesmo que temos que fazer isso! É aí que a magia do beijo acontece.

A regra geral para qualquer cena sensorial é lembra-se de descrever os cinco sentidos - e até o sexto, se você quiser uma coisa mais metafísica - algo que vai além dos nossos sentidos básicos. Mas os cinco sentidos são essenciais.

Visão: o que o seu personagem vê? Isso pode ser tanto antes, quanto depois, quanto no meio do beijo. Às vezes o beijo pode começar com olhos abertos, ou seu personagem pode perceber algo no fim do beijo, algo que não tinha percebido antes no parceiro.

Audição: O que os personagens estão ouvindo? A música tema deles? O som da chuva (beirando o ultrapassado, mas sempre clássico)? Descreva o que está acontecendo ao redor. E outra, o beijo em si tem um som, e naquele momento de envolvimento, pode ser que os ouvidos dos personagens estejam fechados para outra coisa.

Paladar: Que gosto tem? De pasta de dente (adoro beijo com gosto de pasta de dente), chiclete? Um beijo é sempre algo quente, não é? Dá para falar disso também.

Olfato: O cheiro é algo importante para mim, eu sempre gosto de pensar no cheiro das coisas. Talvez eles estejam em um parque, e sentem o cheiro do orvalho da manhã.

Tato: E principalmente, o que sentem na pele, um arrepio? Onde estão as mãos e o resto do corpo deles?

Temos de nos lembrar também que um beijo não é só a boca dos personagens. Tem língua, dente, olhos, face, mãos, enfim. Tudo que tem direito. Linguagem corporal também tem seu lugar na cena do beijo.

Lábios: lábios deslizam, podem ser macios, ou estarem rachados ou ásperos, podem se encaixar ou se sobrepor. Se tem batom envolvido pode ficar marca no rosto de um dos personagens. Tem piercing, essa é outra sensação interessante de se descrever. São grossos ou finos? Cada beijo é um beijo.

Línguas: Línguas são territórios perigosos para escrita, mas você pode fazer isso sem ser grotesco. Cuidado com aquelas verdadeiras lutas de língua que alguns autores travam. Não acho que tenha nada de sexy naquilo.

Dentes: Dentes mordem! E que beijo mais sensual não tem aquela mordidinha básica? Os dentes também podem estar batendo, indicando nervosismo.

Narizes: Eu simplesmente AMO um nariz. Acho a coisa mais sensacional do mundo, e uso esse nosso maravilhoso membro que nos mantém vivos de diversas maneiras no beijo. E com isso, também vem a importância da respiração. Que cheiro tem, por exemplo?

Outros membros: Essas pernas e braços estão fazendo o que mesmo?

Coração: Esse turu-turu (gente, eu estou viciada em Sandy e Junior, não tem jeito) é de extrema importância na hora do beijo. Mencionar o coração vai expor as emoções dos seus personagens.

Mas é claro que um beijo não é somente sobre as sensações físicas e os órgãos envolvidos dos seus personagens. Esse momento é também algo psicológico, que seus personagens podem mostrar mais de suas personalidades, seus medos e seus desejos. O que seus personagens querem? Eles querem sexo, sentir uma conexão com alguém, enganar a solidão? Descreva as emoções com astúcia, sem usar as palavras de sentimento, mas mostrando na interação o que os personagens estão sentindo. Show-not-tell vale muito para a cena do beijo também.

Metáforas são ótimas para levar o momento daquele beijo para o outro nível, algo que transcende o nosso entendimento físico das leis da natureza. O beijo entre os personagens pode ser uma revelação, um insight, uma epifania. Ele percebe naquele momento que está apaixonado, por exemplo. Essa é uma revelação que merece uma boa metáfora.


 

Depois do Beijo

Beijar é bom, mas a história tem que continuar. A saída mais fácil é deixar o beijo para o fim do capítulo, assim a gente não precisa escrever como acabou o beijo e o leitor vai inferir que acabou bem. Mas quem disse que a gente está aqui para o óbvio? Não, vamos às saídas mais difíceis.

Esse beijo pode acabar de diversas formas, mas as escolhas são básicas. Ou esse beijo vai levar os personagens para a cama, ou de volta à história. O problema de juntar o primeiro beijo com a cena de sexo é que essa ação precisa estar cada vez mais forte. Não faz sentido uma cena de beijo ser mais longa que a descrição da cena de sexo, por exemplo. Você precisa investir muito nessas duas vertentes para fazer dar certo. Mas isso já é outra história, o quanto você quer mostrar na cena de sexo, enfim. Não vamos entrar nisso.

Na maior parte das vezes, depois do beijo, os personagens voltam à trama da história. Eles podem, por exemplo, ser interrompidos (dessa vez depois do beijo consumado). Ou simplesmente um tem que ir embora da festa (ai, quem nunca…?).

Outra coisa muito importante é decidir o que o beijo significa no relacionamento dos seus personagens. Como vão ficar as coisas depois desse beijo significativo, que você levou horas, meses, anos para criar? Eles vão ter um relacionamento ou não? E por que não vão ter um relacionamento, o que aconteceu?

É isso aí gente, the one with all the kisses!

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